segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

BRASÃO MUNICIPAL OU LOGOMARCA ADMINISTRATIVA?



A ética parece nunca ter sido a tônica na história da República brasileira, sempre permeada de desvirtuamentos da atividade administrativa em benefício próprio de seus gestores.
A corrupção, a vaidade, interesses mesquinhos e puramente eleitoreiros, a perseguição são apenas alguns dos inúmeros problemas crônicos da administração pública do país. Talvez não seria de todo equivocada a afirmação de que se trata de problema de ordem cultural entre a esmagadora maioria dos agentes políticos, despidos de qualquer resquício de espírito público e para quem o lema é levar vantagem em tudo, numa autêntica tradução do primado do interesse individual em detrimento dos interesses coletivos.
Assim como toda esfera pública, a publicidade estatal encontra-se contaminada pelas mesmas distorções e vícios, que redundam em reflexos nefastos para o regime democrático.
Embora a Constituição Federal de 1988, em seu art. 57, § 1°, seja explícita em vedar a publicidade estatal que não tenha caráter educativo, informativo ou de orientação social e que se utilize de símbolos, imagens, nomes, slogans como meio de promoção pessoal do administrador público, em todos os rincões do país, essa, ainda, é uma prática comum e culturalmente aceita pela sociedade.
Trata-se de uma injustificável e indesejável distorção dos fins da propaganda dos atos oficiais, que em vez de imprimir o elemento transparência (publicidade) à atividade administrativa, vem sendo meio de promoção pessoal de seus agentes. A coisa pública não pode estar a serviço de uma pessoa ou de um grupo político.
SÍMBOLOS E PUBLICIDADE OFICIAL DOS MUNICÍPIOS
A Constituição Federal de 1988 incluiu em sua estrutura federativa a figura do município. Abstraindo-nos, mesmo porque não é objeto do breve estudo, da discussão sobre o município ter se transformado em unidade federada ou apenas em unidade da Federação, o fato é que se trata de uma entidade político-administrativa que goza de autonomia política, administrativa e financeira.
Decorre de tal autonomia que sua organização é regida por uma lei orgânica, espécie de constituição municipal (SILVA, 1996, p. 592). Seu conteúdo foi previamente estabelecido pelo art. 29 da CF/88 que observadas as regras de competências municipais próprias, deve dispor sobre posse de prefeitos e vereadores, organização das funções legislativas, perda do mandato do prefeito, entre outras questões de cunho administrativo.
O art. 13, § 2°, da CF/88 dispõe que os municípios poderão ter símbolos próprios, que são definidos pela lei orgânica local. Embora, sob o aspecto legal, os representantes legais do povo venham se pautando pela orientação da Carta Magna ao estabelecer nas leis orgânicas como símbolos municipais a bandeira, o hino e o brasão, na prática, verifica-se que se tem impingido à referida norma constitucional, propositadamente, equivocada e imoral interpretação.
E é pelo alto grau de imoralidade administrativa e de lesão ao erário municipal que a questão merece algumas considerações à luz do art. 37, § 4°, da CF/88 e da Lei n° 8.429/92.

Os símbolos municipais na Constituição de 1988
Assim como a Constituição atual (art. 13), todas as Constituições brasileiras a partir de 1934 fizeram referência expressa à bandeira, ao hino, aos selos, ao escudo e às armas como símbolos nacionais.
Segundo Cretella Júnior (1999, p. 1083), “[...] símbolo é ser animado, coisa, objeto ou animal que pela imagem representa coisas abstratas. O símbolo é imagem, algo em concreto. A idéia é sempre abstração.” Não se faz necessário tanto esforço mental para perceber que os objetos tidos como símbolos nacionais (bandeira, hino, selos, armas) trazem implícita a ideia abstrata de nação, pátria, que representam de forma neutra o próprio país.
À guisa da autorização constitucional de estabelecer símbolos próprios para os municípios, os alcaides do país vêm se utilizando de multivariadas formas de símbolos, que nada têm a ver com a entidade que deveriam representar, para divulgação não dos atos da municipalidade, mas de suas obras, serviços, atos, campanhas etc., como se as mesmas tivessem sido realizadas às suas expensas e não às do erário municipal. Em nosso modesto ponto de vista, embora essas práticas constituam um nítido desvio de finalidade por parte do administrador público de extrema gravidade e atentado contra os princípios administrativos, tomou-se prática corriqueira em quase todos os municípios do país.
Segundo Cretella Júnior (1999, p. 1086): [...] os símbolos são elementos ou fatores de integração política nacional; não existe motivo algum para símbolos próprios ou locais. A função histórica e sociológica do símbolo é inegável. A ideia é abstrata. A imagem é concreta. ‘Imagem’ é a lembrança de uma sensação. O símbolo age diretamente sobre os sentidos; a bandeira sobre os olhos; o hino sobre o ouvido. Bandeira-hino são impactos diretos e indeléveis sobre todos, servindo como fatores insubstituíveis para a integração.
Assim, como fator de integração política nacional e de identificação dos entes que compõem a Federação brasileira, os símbolos estabelecidos para a República Federativa do Brasil, no § 1° do art. 13 da CF/88, são insubstituíveis e limitam o disposto no parágrafo seguinte que autoriza os Estados, o Distrito Federal e os municípios a terem símbolos próprios. O que não quer dizer que qualquer coisa ou imagem possa representá-los, mas tão-somente aqueles que na história das Constituições brasileiras sempre constituíram símbolos (bandeira, hino, selos, armas).
A presente assertiva parece-nos de inobjetável acerto, pois o fato de os Estados, o Distrito Federal e municípios poderem ter seus próprios símbolos quer dizer que podem estabelecer por meio de suas constituições (Estados e Distrito Federal) e leis orgânicas (municípios), a exemplo da União, suas bandeiras, brasões e hinos próprios, mas não símbolos, imagem, slogans que identifiquem determinada ideologia, facção política ou a pessoa do governador ou prefeito.
A cada quatro anos, alternando ou não o grupo político no poder, o erário financia a troca de pinturas em placas, prédios, veículos, uniformes, jornais etc. Ao que parece, estamos diante de uma imoral e absurda confusão entre o que são símbolos do município e o que é logomarca privada de cada prefeito ou grupo político que assume o Poder Executivo municipal. Os símbolos são neutros e identificam o ente político-administrativo Município, pois, independentemente da pessoa ou partido político que assuma a administração municipal, a bandeira, o brasão e o hino serão os mesmos. Já a logomarca, substituída a cada quatro anos, identifica a pessoa do prefeito ou do grupo político que ele representa, vinculando todos os atos, serviços, obras, campanhas do município à sua pessoa e à sua gestão.
Trata-se da criação de uma imagem institucional privada, própria de determinada administração (prefeito), que a personifica e, sempre que for utilizada na publicidade oficial de atos, serviços, campanhas etc., estará vinculada à pessoa do administrador e não do município, peculiar subterfúgio, que não atende aos desígnios e espírito da simbologia local à luz do mandamento constitucional, mas a interesses particulares, já que transmuda em evidente promoção pessoal do administrador público às expensas dos cofres públicos.
Toda a atividade administrativa deve estar voltada para a efetiva concretização do interesse público e realização da cidadania plena. E, nessa seara, o atendimento a interesses privados e políticos, em detrimento do interesse da coletividade atenta contra os pilares principiológicos do Estado democrático de direito, merecendo uma análise mais aprofundada à luz da Lei da Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/92).

A utilização de símbolos próprios e a promoção pessoal do administrador público à luz da Lei nº 8.429, de 02.06.1992

A divulgação dos atos oficiais da administração pública, em sentido lato, que não esteja dentro dos contornos traçados pelo art 37, § 1°, da CF/88, inexoravelmente, violará os princípios administrativos, mormente quando praticada visando ao fim proibido em lei, o que constitui ato de improbidade administrativa(art. 11 da Lei n° 8.429/92).
Com vistas a coibir os notórios abusos de uma classe política descompromissada com a preservação da coisa pública e dos valores do Estado democrático de direito, a publicidade dos atos oficiais, valor essencial da democracia e regra em nosso sistema constitucional, ganhou parâmetros claros e precisos. Dada a importância do texto para o breve ensaio, peço vênia para transcrever o caput e o § 1° do art. 37 da CF/88 que dispõem:
 Sobre o assunto: “TJMG – APC n° 000151680-600-Comarca de Juiz de Fora – Rel. Des. Antônio Hélio Silva – J. 10.08.1999.”
Art. 37. A administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade e, também, aos seguintes:
§ 1° A publicidade dos atos, propagandas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
A observância da norma supra atende à necessidade da publicidade dos atos de gestão da coisa pública e evita o nefasto desvio de finalidade com sua utilização como meio de culto à pessoa do administrador público ou de seu grupo político.
O caráter da publicidade dos atos oficiais deverá ser de: educação – entendida como aquela que de alguma forma melhore a formação física, moral e intelectual de toda a comunidade; informação – esclareça a população sobre questões de interesse social, como serviços, campanhas etc.; orientação social – que vise à conscientização da população sobre questões comunitárias relevantes.
E o constituinte foi mais além, ao estabelecer os parâmetros da essência da publicidade dos atos oficiais, procurou preservar a impessoalidade da divulgação, já que nela não poderá conter nomes, símbolos ou imagens que identifiquem a pessoa do agente público que a determinou.
E que, na prática, a fértil criatividade da elite política brasileira que alça ao poder e que dele se utiliza como meio de satisfação de suas vaidades e pretensões pessoais faz com que sejam utilizadas as mais variadas formas de subterfúgios para burlar a vedação constitucional. Vale-se de logomarcas, cores, slogans etc. que acompanham a publicidade dos atos oficiais, ao imoral, porém, não menos ingênuo argumento, de que aquele visa tão-somente identificar a pessoa jurídica de direito público ou órgão responsável pela veiculação, e não a pessoa que a administra.
A utilização sorrateira de tais meios mediante atos administrativos transmuda em evidente desvio de finalidade, pois não se conforma com o interesse público, fim último de todo e qualquer ato administrativo. Assertiva válida até mesmo pelo caráter objetivo do vício, “[...] pouco importando, pois a intenção do agente, se agiu de boa ou má-fé porquanto a invalidade insere-se, sempre que o agente, servindo-se de uma competência abstrata que possui, busca uma finalidade alheia a qualquer interesse público.”
Como obtempera insigne colega ministerial mineiro, Tonet (1997, p. 15), embora muitas vezes a divulgação até atenda aos limites pedagógicos do texto constitucional, vem esteriotipada com fotos, nomes, símbolos ou slogans do agente público ou de seu grupo ou partido político, desviando-se pela via ímproba e inconfessável da promoção pessoal. E o que é pior, em matérias pagas pelo erário em jornais, revistas ou periódicos locais de grande circulação, e por isso mesmo de alto preço, em total afronta ao mandamento constitucional.
Uma indisfarçável distorção da finalidade da publicidade oficial que, embora lícita em sua essência, mostra-se eivada de nulidade pela camuflagem desonesta utilizada para sua veiculação.
Outra não pode ser a conclusão senão a de que essa prática constitui ato de improbidade administrativa de acordo com a norma estatuída no art. 11, I, da Lei n° 8.429/92, pois não se harmoniza com os valores essenciais do Estado democrático de direito, já que atropela os princípios administrativos da impessoalidade e da moralidade com seu caráter promocional privado e transmuda em indesejável desvio de finalidade.

Uma vez comprovada a publicidade oficial com fins de promoção pessoal, torna-se prescindível a comprovação de qualquer dano ao erário para a aplicação das sanções previstas no art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa. 

Fonte: GENNEY RANDRO BARROS DE MOURA 
Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais 
Professor de Processo Penal da UEMG – Campus Ituiutaba/MG 
Especialista em Ciências Criminais e Mestrando em Direito 
Público – UNIFRAN/Franca/SP

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